terça-feira, 24 de março de 2009

O Fim dos Objetos

Segue texto publicado em 2005 pelo meu professor de e-commerce da FGV, Andre Kischinevsky. Muito interessante... me faz pensar em algo quase como Matrix. Como o tema ainda é atual, vale tomar um tempo para o texto.

Boa leitura!


Artigo publicado no Jornal "O Globo" - seção "Opinião"

Comenta-se sobre o uso cada vez maior de dispositivos móveis e em uma firme tendência para o desenvolvimento de palmtops, celulares, livros e computadores cada vez mais leves e portáteis. No entanto, a longo prazo, essa é uma visão equivocada. Apostar na evolução linear dessa tecnologia é um erro. Em menos de vinte anos todos esses equipamentos estarão extintos. Os aparelhos não serão cada vez menores, mais rápidos, leves e coloridos. Eles deixarão de existir.

No futuro, esses dispositivos serão softwares. Serão programas de computador e não máquinas. Para adquirir um novo palmtop, e-book ou relógio vai baixar pela internet um programa. Os novos engenheiros serão programadores e os objetos virtuais dividirão o espaço com objetos físicos. Se você acredita que um e-book do futuro será uma folha de papel eletrônico, repense. Os e-books existirão, mas serão inteiramente virtuais. Serão objetos de software. Assim como os aparelhos de televisão, de som e até mesmo os produtos nas prateleiras do supermercado.

Nas próximas décadas, a interface do mundo virtual será integrada a três de nossos sentidos: visão, audição e, parcialmente, ao tato. No início, usaremos óculos especiais, transparentes, e veremos o mundo com complementos virtuais. Você poderá olhar para uma parede e ver a tela de uma TV ou para sua cabeceira e ver um despertador virtual. Aos poucos, as lentes se tornarão mais integradas ao nosso corpo. O mesmo ocorrerá com fones de ouvido e dispositivos para simular o tato. Você não precisará carregar um computador portátil como conhecemos hoje. Seus sentidos estarão permanentemente conectados à internet.

Imagine-se daqui a vinte anos na sala de embarque de um aeroporto. Seu avião atrasa e você decide fazer compras. Como todo mundo, você está usando minúsculos dispositivos que conectam seus sentidos à Rede, permitindo que você veja, ouça e sinta os objetos virtuais. Fisicamente, a loja é apenas um espaço de circulação. Mas, ao entrar, você decide que tipo de produto deseja comprar e a loja se enche de produtos virtuais. Você interage com os produtos como faria com produtos físicos. Se optar por uma loja de móveis, poderá empurrá-los, virá-los e ver suas etiquetas. Os objetos virtuais reagirão de forma parecida com os tradicionais e você terá uma experiência de compra como numa loja de hoje.

Ao terminar de fazer compras, você decide apreciar quadros. Sendo assinante do canal de arte virtual do Louvre, onde quer que você vá, há quadros do acervo do museu. A administração do aeroporto decidirá o local ideal para posicioná-los, mas são os computadores do Louvre que fornecerão os quadros virtuais para suas lentes. Cada passageiro da sala verá quadros de sua preferência e passageiros sem programação verão quadros do acervo da Infraero, com fotos da história da aviação.

Durante o vôo, o sistema de entretenimento pessoal será substituído por uma simples conexão com a internet. Cada passageiro poderá cuidar de sua programação, ler livros virtuais, ver TV, falar com a família ou usar um micro virtual. Entretanto, nem tudo se tornará virtual. Apenas alguns de nossos sentidos poderão ser estimulados assim nas próximas duas décadas. Continuaremos precisando comer comida, dormir em camas e viver em casas de verdade. Mas, vendo e ouvindo os objetos virtuais, mudaremos radicalmente nossa interação com o mundo. Você se enfeitará com jóias virtuais, poderá mudar a cor de seu cabelo sem usar uma gota de tintura e encher a casa de porta-retratos virtuais.

Um dos fatores-chave para isso tudo funcionar será a padronização dos objetos virtuais. Se você baixa da internet um novo aparelho de som virtual, todos em sua casa devem poder ouvi-lo. Seria um desastre descobrir que o som é incompatível com os visitantes! Por isso, a criação dos padrões da internet iniciada na década de 70 foi um importante passo para esse futuro em que poderemos dar festas com som alto a qualquer hora sem incomodar os vizinhos — exceto, claro, se os convidados forem barulhentos.



Sphere: Related Content

Nenhum comentário:

Creative Commons License