sexta-feira, 14 de maio de 2010

Líder, Liderança e Resiliência


A palavra da moda no management internacional é resiliência. E você? Como está nesse quesito?
Todos dão palpites em suas decisões? Você “está líder”, mas se questiona se há algo errado no desempenho do seu papel? Já está pensando em gritar por socorro? Está estressado e a beira de um colapso nervoso? Seus pensamentos recorrentes são: “pare o mundo que eu quero descer” como disse Raul Seixas, ou “desisto, abro mão da posição de líder, rebaixem meu salário, mas quero minha vidinha tranquila de volta”? Calma, provavelmente você nem esteja falhando muito como líder, mas sim no desenvolvimento da liderança. Muito provavelmente você não seja vesgo ao se enxergar corretamente com características de líder.

A sua pergunta então é: “Por que não me destaco e nem venço como líder?”. Pois é, muitos têm quase todas as características exigidas para serem classificados como líder, mas não sabem ou não conseguem desempenhar bem o papel de liderança. Se você faz parte ou não desse grupo, recomendo firmemente que se interesse um pouco mais no entendimento da resiliência como competência para melhorar sua performance na liderança.

As mil e uma utilidades de um líder
A função de liderança talvez seja a principal busca da sociedade contemporânea. E por razões óbvias: o destino de uma família, uma empresa, uma comunidade qualquer, de um país, está diretamente associado à capacidade de sua liderança. Hoje, na mídia, são comuns os alardes da importância do líder e, principalmente, quais devem ser suas características. O líder precisa ter resiliência, autodisciplina, energia, foco, visão, responsabilidade, carisma, tolerância ao estresse (por meio da resiliência), poder de síntese, capacidade de assumir riscos, conhecimento, capacidade de aprender sempre, e saber delegar, ouvir, comunicar e ser sensível, empreendedor, eficiente, determinado, automotivado, tolerante, criativo, dinâmico, objetivo etc. A lista é imensa.

A situação se agrava quando buscamos exemplos e modelos a serem seguidos. Há grandes líderes, históricos, hoje reconhecidos como ícones da resiliência. E como essa característica é inata, concluímos que eles a tinham em alta dose. “Naqueles tempos” sabia-se muito, mas não se sabia tudo. Eles eram resilientes e não sabiam.

Hoje temos condições de analisar o comportamento desses grandes líderes e classificar a sua atuação.
- Quando falamos em determinação, tenacidade e resiliência: Gandhi.
- Inovação, capacidade empreendedora e resiliência: Thomas Edison.
-Coragem, obstinação e resiliência: Lawrence da Arábia.
-Estratégia, obstinação e pouca resiliência: Napoleão Bonaparte.
- Capacidade para assumir riscos, comprometimento, foco e resiliência em altíssimo grau: Jesus Cristo, e muitos outros.

Mas onde estão os líderes atuais?
Um líder histórico é mais fácil de ser identificado, pois sua trajetória já foi esmiuçada por muitos estudiosos. Temos de ter filtros para a avaliação dos líderes atuais devido à manipulação dos meios de comunicação - é difícil avaliar o que é real e o que é marketing.

Esse é um dos aspectos que explicam a aproximação do perfil do líder com o de um herói, um personagem histórico, do que com alguém de carne e osso. O fato é que os meios de comunicação mitificam muito o líder, colocam-no como alguém que conduz revoluções, vira a mesa, muda totalmente o rumo da história. E, mais do que isso (e talvez por conta disso), essa é a expectativa geral. A comunidade, a empresa, a família - e até você! - querem o herói, o líder que nunca decepciona que sempre sabe o caminho, que sempre tem uma saída infalível, que faz sempre a escolha certa.

Mas, falando de líderes de hoje, seres “reais”, muito parecidos conosco, lembro de alguns que foram ou são exemplos de:
- Comunicação, luta por igualdade e resiliência: Martin Luther King.
- Perseverança, humildade, comprometimento e resiliência: Nelson Mandela.
- Sonhar, criatividade, empreender e resiliência: Ozires Silva. Sonhava desde pequeno com aviões e criou a Embraer.
- Obstinação, capacidade de enfrentar grandes desafios e resiliência: Maria Silvia Bastos, que foi a líder da Companhia Siderúrgica Nacional, transformando-a em empresa lucrativa e na maior produtora de aço da América Latina.

Há muitos outros, mas finalizo destacando o ícone vivo da resiliência, o Dalai Lama, que não precisa de maiores explicações, não é?

Liderança sempre
Vamos levar em conta nossa realidade atual e apocalíptica: tudo acontece muito rápido, o cotidiano está confuso e cheio de dificuldades, mudanças, caos, incertezas. Esse panorama não é novo, são elementos que sempre existiram, inerentes à história da humanidade. A liderança não é um desafio deste século. Os governos do passado dedicaram muito de seu tempo ao estudo da liderança.

Líderes de qualquer época tiveram de enfrentar mudanças e buscar saídas para problemas ocasionados por imprevistos, acidentes da natureza como terremotos, guerras, fome, pestes e revoltas sociais. Talvez o que caiba seja uma atualização sobre os intervalos entre tempestade e bonança. Hoje, o espaço entre esses dois fenômenos é cada vez menor. A máxima, inclusive, poderia ser alterada para: "depois da tempestade, vem a bonança e depois, a tempestade novamente".

O que atesta que os desafios do líder não são novos são os best sellers sobre o assunto, pois não são apenas os modelos de referências que são históricos - veja alguns manuais atemporais, como a Arte da guerra, de Sun Tzu, de cerca de 2.500 anos e O príncipe, de Maquiavel, escrito no século XV. Os dilemas de O príncipe, de Maquiavel, são atualíssimos e a obra chinesa, uma das mais antigas, mostra que os desafios e as buscas são as mesmas dos dias atuais, e ainda persistem as dificuldades. Hoje se fala em ter visão de futuro e da dificuldade em profetizar acontecimentos e armar esquemas de defesa. E a máxima milenar chinesa “é muito difícil profetizar, especialmente em relação ao futuro” continua muito atual.

Liderança é um processo!
Para os que aqui buscam fórmulas, a desilusão: não existe nenhuma! Por mais desconfortante que seja essa afirmação deve ser encarada. Não há química, nem biologia, nem DNA que dê a fórmula de um líder carismático, por exemplo, e de como se processa a sua liderança. As pessoas confiam em um líder carismático independentemente das razões. Esse líder tem uma grande capacidade de comunicação e é impulsionado por uma crença interior muito forte. Sua causa não é questionada e ele faz economia de explicações. Não importa o que aconteça, seus seguidores estarão lá. A lei é: "Se é ele quem diz, eu vou atrás".

Parênteses para os curiosos: esse tipo de líder pode ser muito perigoso, pois há os líderes carismáticos positivos - aqueles que exercem o poder em prol do bem coletivo - e os negativos - os motivados por interesses pessoais. Às vezes as pessoas estão seguindo um líder que está interessado em engrandecimento pessoal, sem controle moral, sem ética. Um exemplo do carismático negativo? Hitler. Quer mais dois? Jim Jones, que em 1978, em JonesTown, levou 900 seguidores ao suicídio coletivo, onde os pais deram veneno para os próprios filhos - 303 crianças morreram - desculpe-me por dar um detalhe mórbido, mas importante para caracterizar a força de um líder carismático negativo. Um exemplo final, em 1993, o líder religioso americano David Koresh, que se intitulava a reencarnação do Senhor Jesus, seduziu os seguidores com a filosofia de que deveriam morrer para depois ressuscitarem das cinzas. Ateou fogo no rancho de madeira onde ficava a seita Branch Davidian e matou 80 pessoas, incluindo 18 crianças.

Tiros pela culatra à parte, esse tipo de liderança, de uma forma mais pura e honesta, é fundamental em qualquer tempo, em qualquer contexto. É o impulsionador de todos os saltos e revoluções que acontecem na humanidade. E é um estilo de liderança que não cabe apenas em grandes cenários, cabe em qualquer lugar. Essa função é necessária no processo de liderança de qualquer sistema, país, grupo, empresa ou família. Se existe crise, o medo e a insegurança se propagam, é preciso a interferência do líder carismático para restabelecer o equilíbrio.

Em períodos de estabilidade, uma empresa pode limitar a condução de seu destino às funções de gestão. Se sua estrutura for adaptada ao ambiente em que opera, o órgão de direção da empresa pode funcionar bem com a administração eficiente, sem precisar reinventar nada. Mas em períodos de turbulência ou em mercados que lidam com elevada complexidade conjuntural, sem líderes com carisma e resilientes, o futuro fica comprometido. A gestão dá as soluções certas aos problemas, responde convenientemente às solicitações, mas a liderança resiliente reformula os problemas e não se limita a responder às solicitações: cria um destino. Mas vai aqui uma palavra de consolo, se o DNA não explica a liderança, sabemos, entretanto, que ela pode ser estudada, treinada e aperfeiçoada.

Até a sociologia explica os ciclos
Os períodos de mudança e estabilidade são cíclicos. A mudança é sempre seguida de estabilidade. Depois, é necessária outra mudança e depois mais outro período de estabilidade. Tudo permeado de resiliência para evitar rupturas.

A resiliência tem de ser uma característica forte no líder uma vez que ele exerce uma função com limites de alto risco: ele olha para frente e para trás, para dentro e para fora, e vê onde e quando é necessária sua atuação. Fora, fazendo as revoluções, ou dentro, fazendo a engrenagem funcionar. Por tudo isso a liderança é mais importante que o líder. Em uma equipe, por exemplo, nos momentos de dúvida e incerteza, o dar sentido a uma realidade não precisa vir só de uma pessoa, a contribuição na liderança oscila, dependendo do problema. Às vezes, de onde menos se espera, vem a sugestão do melhor caminho a seguir.

É mais ou menos o que acontece em nosso cérebro. Quando uma decisão é processada, não dá para definir se a liderança foi do córtex, do sistema límbico ou do reptiliano. Na psicanálise, temos o id, ego e o superego. O modelo do processo de liderança que ocorre em sua cabeça, quando você toma decisões, lidera sua vida, é o mesmo. Não há um líder, há liderança.

“Líder que não sabe se comunicar vai se estrumbicar”
(Adaptação da famosa frase do Chacrinha)

A ideia de que a liderança é um processo, desencadeia outras perguntas: que processo é esse? Como ele acontece? Aqui vai a síntese da complexa resposta: a corda onde a liderança está equilibrada se chama co-mu-ni-ca-ção. É através dela que você constrói a verdadeira liderança. Com ela e através dela você interpreta a realidade, define prioridades, estabelece regras e, resilientemente, se esforça para influenciar os outros.

Não é por acaso que o poder de influenciar pessoas e a habilidade para se comunicar são lugares-comuns quando se fala em liderança. Antes que você comece a imaginar os discursos inflamados (e motivadores) de Hitler, ou o "Eu tenho um sonho", de Martin Luther King, a relevância da comunicação na liderança pode ser observada em qualquer equipe, seja em uma equipe que discute o destino de milhões de reais, seja em uma equipe de uma micro-empresa, que discute o que comprar de comes e bebes com o dinheiro da “vaquinha” para a festa do final do mês. Em todos os casos há muita negociação, e o líder ainda que discretamente, exerce a sua influência. Eu costumo dizer que: “O bom líder se comunica até com o silêncio”.

Porém, atenção! Se você já se animou, achando que era mais simples do que você imaginava (afinal, quem não sabe se comunicar?), um alerta: a liderança não está exatamente na comunicação. A liderança genuína e eficiente só é construída através da qualidade da comunicação, mas isso é assunto para um livro inteiro, escrito por mestres em comunicação e liderança. Minha praia vem a seguir.

Metáforas para o líder resiliente
O milho de pipoca é pequeno. Se não passar por calor intenso continuará pequeno, sem expressão, igual a todos os demais. Porém, quando passam pelo calor, muitos viram pipoca. Algumas são bem maiores e mais bonitas que outras. Outros que passaram pelo mesmo calor transformador, queimam-se e são rejeitados. Não prestam para nada.

Os japoneses são os mestres da arte do bonsai. Plantas frutíferas são mantidas em vaso, e ficam do tamanho que o vaso permite. Elas se adaptam. Têm vida, mas dão frutos muito pequenos. Na maioria das vezes, quando tiradas do vaso e replantadas em um campo mais amplo, elas sofrem no início. A adaptação é difícil. Chega a dar a impressão de que vão morrer. Mas, vencido o desafio, adaptadas e habituadas com as novas condições, elas crescem. Crescem muitas vezes o dobro do tamanho que, por anos a fio tiveram, enquanto estavam no vaso.

Pense nas flores. Plantas da mesma família, quando em um vaso, dão uma pequena quantidade de flores. Em terreno amplo e adequado, ocupam seu espaço e retribuem com muito mais flores. Com os homens isso também acontece. A mudança de vida, um novo e aparentemente insuperável desafio, faz com que cresça. Basta mudar de ambiente e ser mais exigido, que o homem cresce e nem sempre esse desenvolvimento é totalmente indolor.
Toda mudança tira a pessoa da chamada “zona de conforto” e naturalmente isso provoca algum “desconforto”, pelo menos no início. Mas a oportunidade para viver essa nova vida, para demonstrar seu potencial e conquistar um novo espaço, faz com que se desenvolvam suas competências. O homem ao assumir responsabilidades de liderança vai passar por fases de “sofrimento”, pois a vida é feita de opções, escolhas e trocas e cada uma terá seu preço. Uma opção muitas vezes inviabiliza alternativas. Mas vamos nos adaptando. Temos essa característica. Nascemos resilientes. Alguns sortudos são mais resilientes que outros. A resiliência não nos torna impermeáveis as tempestades, nem inatingíveis em crises, nem invulneráveis.

Qualifiquei anteriormente Napoleão Bonaparte como pouco resiliente, pois foi num período de falha dessa característica que perdeu a guerra e seu império. Eu entendo que há apenas dois grandes padrões de liderança (e mais um monte de variações). A liderança autocrática, sem resiliência, onde eu mando em você e não te dou direito de contestar e a democrática onde eu mando em você e vira e mexe você chia, contesta, expõe razões e como sou resiliente mudo de posição e permito até que você mande em mim.

Brincadeiras sérias à parte, o líder resiliente sabe que poderá ter sua liderança contestada, por cima e por baixo, por chefes e subordinados, mas ele tem flexibilidade e aguenta a pressão. Ele faz também com que a empresa seja resiliente. Ante a crise de mercado, a empresa sofre, mas se ajusta, entra em prejuízo, mas não vai à falência. Vencida a crise, muitas vezes “renasce” mais forte, uma vez que aprendeu muito e estará mais bem preparada para a eventualidade de novas tormentas.

O líder resiliente não é um super-homem, mas seu grande diferencial é que usa todas as experiências, principalmente as mais difíceis e dolorosas, para crescer e evoluir. Ele aprende com os erros e muda o curso das coisas. Tem flexibilidade para mudar quantas vezes for necessário. Nadando em óleo quente o líder resiliente vira pipoca, enquanto outros se queimam e são descartados como os piruás.

O mundo acaba de passar por uma crise terrível, que teve seu início em um segmento do mercado americano e contaminou todo o mercado financeiro, que por sua vez implodiu a economia mundial. Tivemos exemplos únicos de líderes, empresas e países resilientes, que souberam gerir a crise. Muitos sofreram, vergaram com a força dos ventos, mas não quebraram. Outros, bem, dos outros nem se ouve mais falar, e você, se ainda não é um perfeito resiliente, deve estar cansado de ouvir as mesmas histórias e por isso não vou repeti-las aqui.

O líder resiliente aprende a suportar pressões, sem permitir que deixem marcas profundas. Sabe que o mundo é altamente competitivo, mas é assim para todos e passa a gostar da competição. Descobre que também gosta das calmarias da zona de conforto, mas não tem medo de sair dela. Sabe que nasceu resiliente e por descobrir os benefícios, faz do seu aprimoramento um exercício constante.

E você, já pensou em ter a flexibilidade da mola? Suportar os constantes e grandes impactos que a vida aplica, e ao terminar a pressão, sempre voltar ao normal?
Bom não é?

Mauricio Sita (É um dos precursores no Brasil do tema Resiliência. Publicou vários artigos abordando os diversos aspectos da resiliência, seja pessoal, profissional e até mesmo sobre empresas resilientes. Foi executivo de diversas empresas, entre elas a Minasgás S.A. e a General Electric do Brasil S.A. Tem formação em Psicanálise, Filosofia e Ciências Jurídicas e Sociais).

O artigo foi publicado originalmente no livro Ser + Líder – Os caminhos da liderança na visão de grandes especialistas.

Fonte: HSM Online


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