2) Qual(is) a(s) diferença(s) entre as concepções sócio-histórica e liberal de homem?
As condições materiais servem de substrato para a formação, organização e transformação da sociedade, de seus valores e idéias. Contrapondo-se à concepção liberal de homem individual, racional e natural, a sócio-histórica afirma que não existe natureza ou essência eterna e universal humana; todavia, confirma a condição humana: o homem é um ser ativo, social e histórico. Na medida em que transforma ao mundo, o homem transforma a si mesmo (PIMENTA; KAWASHITA, 1991; VIGOTSKI, 1998). Bock (2002, p. 49) afirma que “na visão liberal, o indivíduo tem em suas mãos a possibilidade de ultrapassar os obstáculos colocados pela realidade, e a escolha [profissional], se adequada asseguraria melhoria de condição de vida”. Logo, a escolha de uma profissão prestigiada socialmente poderia ajudar o jovem a se projetar profissionalmente e mudar suas condições sócio-econômicas, desconsiderando a condição fundamental da sobrevivência. A ideologia liberal enquadra o ambiente no qual o indivíduo está inserido como neutro e não-determinante, não influenciando, então, no desenvolvimento das aptidões individuais (EHRLICH; CASTRO; SOARES, 2000). A perspectiva liberal coloca que o indivíduo dispõe intrínseca e socialmente de condições para superar a realidade material em que se encontra, bastando para isso somente sua intenção de modificá-la. No liberalismo, todos são livres e iguais. Identificamos, pois, nessa perspectiva a naturalização do status quo das relações de poder e da divisão do trabalho.
3) Dahrendorf aponta uma saída para a sobredeterminação do ambiente sobre o indivíduo. Como você entende essa saída? Dê exemplos.
Dahrendorf (citado por FREITAG, 1985), aponta uma saída para o impasse pessimista, que parece obscurecer o discurso materialista histórico e dialético, ao afirmar que o Estado capitalista e liberal e as classes dominantes não são onipotentes, nem tudo está pré-condicionado ao seu controle. Isso reafirma a condição dialética e dinâmica das construções históricas: a história muda assim como mudam as relações de poder. A sociedade não simplesmente favorece a superação dos obstáculos da realidade objetiva, porém, a possibilidade de mudança e superação é inerente a qualquer realidade, por mais difícil que sejam tais ações.
* Exemplos: pessoas que aproveitam uma oportunidade de estudo em uma escola ou faculdade, uma bolsa de estudos, trocam de emprego, fazem um curso.
4) Como Bourdieu e Passerón entendem a construção (desenvolvimento) da cultura ao longo da história da humanidade?
A cultura não se trata de um conteúdo puramente natural e previamente estabelecido pela “ordem das coisas no mundo” ou por uma “natureza humana”, pelo contrário, ela é um produto sócio-histórico. Segundo Bourdieu e Passerón (1975), o fato social é arbitrário: a cultura não pode ser deduzida de princípios universais, físicos, biológicos ou espirituais. Ela é proveniente de opções e escolhas socialmente pertinentes e necessárias. Numa coletividade, a cultura é construída de acordo com as conveniências de cada momento histórico arbitrariamente e de maneira condizente com as condições materiais disponíveis. Entretanto, as classes dominantes tentam impor certos conceitos culturais à coletividade através de ações, sejam elas pedagógicas ou de repressão, que naturalizam a cultura e encobrem a arbitrariedade dessa com sua ideologia.
5) O que é educação, segundo o texto?
A educação da qual tratamos neste texto é entendida num sentido amplo, ou seja, englobando as esferas familiar, formal e social, bem como as influências de cada uma nas demais. Como seria demasiadamente longa uma discussão aprofundada desse conceito, abordaremos a importância da educação no processo de constituição da subjetividade e, posteriormente, para a escolha profissional e inserção do jovem no mercado de trabalho. Entendemos que a educação se dá não apenas através dos meios formais, visto que ela excede esse cenário nas demais instituições das quais fazemos parte e contribuem para nossa socialização e construção da subjetividade: escola, meios de comunicação, família, rede social, entre outros (BOURDIE; PASSERÓN, 1975; PATTO, 1984).
6) Como ocorre a construção da subjetividade, desde o nascimento, passando pela infância, pela escolarização, adolescência e a inserção no mundo adulto?
Como ser social em potencial, o indivíduo nasce e faz parte de uma primeira coletividade: a família. O indivíduo – membro de um grupo com cultura própria – ingressa num processo que irá durar por toda a vida, iniciando-se o processo de socialização e da construção da realidade atravessado pelas diretrizes sociais que orientam a subjetivação. Desde o nascimento e o início da socialização aprende-se a escolher e a decidir o que fazer profissionalmente (OLIVEIRA, 1997). Charlot (citado por MIRANDA, 1985) diz que a criança é um ser sempre já socializado. Devemos tomar cuidado com o equivocado entendimento literal que pode ser sugerido dessa afirmação para não sermos deterministas ao entendermos a construção da subjetividade na perspectiva sócio-histórica. Na verdade, dentro de uma coletividade, antes mesmo de a criança nascer, existem predisposições que podem futuramente apontar direções em suas escolhas e atitudes, incluindo a escolha profissional (SOARES, 2002). Assim, reiteramos com Berger e Luckmann (1985) que nascemos membro de uma sociedade que nos antecede e da qual herdamos diversos construtos culturais.
A coletividade familiar é o primeiro grupo do qual a criança participa ativamente. Segundo Bourdieu e Passerón (1975), a família é responsável pelo Trabalho Pedagógico primário, o qual inculca o arbitrário cultural primário. Considerada Autoridade Pedagógica legítima pela sociedade e responsável pela transmissão da ideologia dominante, dos valores morais e da cultura, a família está encarregada do Trabalho Pedagógico de socialização primária. Essa é a primeira socialização que o indivíduo experimenta e através da qual torna-se membro de uma sociedade (BERGER; LUCKMANN, 1985). A inculcação exercida pela família tem o poder de se agregar fortemente à subjetividade do indivíduo, e funcionará como um modelo que, ao longo de sua vida facilitará ou dificultará a inculcação de arbitrários secundários nos sucessivos Trabalhos Pedagógicos que se realizarão. A socialização primária se dá necessariamente pela mediação do outro; logo, mobiliza afetos e identificações e é carregada de “alto grau emotivo” (BERGER; LUCKMANN, 1985; MIRANDA, 1985). Esses afetos e identificações contribuem para a formação da identidade do indivíduo; consideramos que a identidade abrange também um aspecto referente ao mundo do trabalho, isto é, fazem parte dela a identidade profissional e a identidade ocupacional. A sociedade verifica a inculcação dos arbitrários e seus conteúdos, reforçando ou negando nas interações diárias os comportamentos adquiridos no processo de socialização e no desenvolvimento da subjetividade.
7) O que é o arbitrário cultural?
O arbitrário é um sistema simbólico, detentor de uma seleção de significados, que define objetivamente a cultura de um grupo.
8) O que é habitus?
O habitus, como um produto histórico, produz práticas individuais e coletivas e, conseqüentemente, a história, em acordo com os esquemas que ela mesma produz. A subjetividade e a objetividade material constroem-se mutua e historicamente numa relação dialética e dinâmica.
9) Por que não podemos deduzir o habitus individual do familiar ou do habitus da classe sócio-econômico-cultural ao qual a pessoa pertence?
O processo de socialização e aprendizagem corresponde a um maquinário reprodutor, com as devidas modificações grupais e individuais que interessam ao arbitrário dominante. A reprodução ocorre além do arbitrário cultural: verifica-se uma manutenção da estrutura social, do modo de produção, da divisão do trabalho e das relações de poder. Apesar do Trabalho Pedagógico exercido pela família (socialização primária) na inculcação de um primeiro arbitrário cultural, a criança – nascida numa classe com seu habitus próprio – potencialmente sofre determinações de um Trabalho Pedagógico inerente à educação recebida pelos pais e a seu processo de socialização. Portanto, podemos pontuar que o Trabalho Pedagógico Primário exercido sobre a criança é herança do arbitrário anteriormente introjetado nos (e pelos) pais sob ação dos agentes socializadores (escola, família e sociedade).
Contudo, não podemos deduzir o habitus individual nem o familiar a partir do habitus de classe, porque o Trabalho Pedagógico de inculcação dos arbitrários nem sempre é bem sucedido e ainda porque as práticas familiares não são necessariamente as mesmas de outras coletividades ou da classe as quais pertence. Existem, também, vários fatores apontados por Percheron (citado por NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002), que tornam uma dedução inviável. Dentre eles destaca a ascensão ou declínio do grupo familiar, seu nível educacional, seu pertencimento ao meio urbano ou rural, postura conservadora ou empreendedora e sua religião. A partir da ação desses fatores, existem famílias numa mesma classe social com comportamentos bastante diferenciados e famílias de classe diferentes com comportamentos similares. Hinde (1997) aponta que variações de comportamento de um mesmo indivíduo em situações distintas são maiores do que indivíduos advindos de contextos diferentes numa mesma situação social.
10) Quais os agentes pedagógicos citados no texto?
O indivíduo desenvolve sua subjetividade através da cultura e da mediação estabelecida entre os membros de uma sociedade que a representam. A sociedade dispõe de agentes socializadores que realizam um Trabalho Pedagógico com a finalidade de inculcar um arbitrário cultural considerado legítimo, ou seja, um arbitrário oriundo da classe dominante. Diversos são esses agentes pedagógicos: família, escola e o meio social.
11) Quais os quatro tipos de capital envolvidos no processo educacional e de desenvolvimento da subjetividade? Explique eles.
O investimento familiar dado à educação formal considera quatro tipos de capitais (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002): a) o econômico, isto é, bens e serviços a que o indivíduo tem acesso; b) o cultural, que decorre diretamente da educação formal, pois agrupa interesses e preferências sobre artes, culinária, esportes, vestuário, domínio da língua culta e de outros idiomas, além de informações sobre o mundo escolar e do trabalho; c) o social, conjunto de relacionamentos sociais caracterizados como influentes e mantidos pela sua família; e d) o simbólico, parte da seleção de significações contida no arbitrário cultural. O capital econômico e o social podem servir de auxiliares na acumulação do capital cultural ao permitir o acesso a instituições de ensino de qualidade e a bens culturais de alto custo financeiro. Porém, o benefício escolar e profissional advindo desse acesso provém, sobretudo, de capital cultural anterior. De acordo com a quantidade e qualidade de capitais disponíveis por cada família, certas estratégias de investimento na educação formal, incorporadas no habitus familiar, seriam mais rentáveis e seguras ou incertas e arriscadas.
12) Quais as estratégias de investimento escolar das de investimento familiar à educação formal citados no texto?
Nogueira e Nogueira (2002) sugere três tipos de disposições e estratégias de investimento escolar:
1) As classes baixas, pobres em capitais econômico e cultural, investem moderadamente na educação de seus membros, pois as chances de sucesso são reduzidas, incertas e a longo prazo, devido a falta de capitais econômico, social e cultural necessários ao bom desempenho escolar.
2) As famílias de classe média possuem considerável acúmulo de capitais que permitem maior investimento na educação formal que as de classe baixa sem correr tantos riscos; logo, investem com maior esperança na escolarização de seus filhos almejando, principalmente, reconhecimento social através do status da profissão desses. À classe média, desprovida de capital de produção, resta somente possibilidades de reconhecimento relativo a tais significantes de status das ocupações, sobretudo das que requerem formação universitária. Não só a remuneração é recompensa pelo trabalho exercido, mas também a representação agregado à profissão. O investimento na educação e a escolha profissional-ocupacional podem se basear na questão do status, já que esse nas famílias de classe média relaciona-se ao status profissional-ocupacional de seus membros e não na propriedade geradora de capital econômico de suas ocupações. Duas situações decorrem da idéia de status agregado: uma ocupação de formação universitária dispõe de maior status – além de melhor remuneração – do que uma de formação técnica, e esta mais do que outra que exija educação básica; a outra situação é a de que entre as ocupações que exigem mesmo grau de formação educacional, algumas têm maior status do que outras, independentemente da remuneração recebida pelo trabalho, mas pelo seu reconhecimento social. Essa é a lógica adotada pela família de classe média ao investir na educação formal de seus membros.
3) As elites econômicas e culturais investem fortemente na escola, porém de forma mais descontraída que as classes médias, pois o sucesso escolar é tido como algo natural. Entretanto, as famílias de classes dominantes investem na educação formal de seus filhos com o objetivo, dentre outros, de perpetuar a divisão do trabalho e do poder e manter a ordem social estabelecida. Nogueira e Nogueira (2003) e Carnoy (2004) concordam na premissa que as classes mais altas dispõem de mais capital para investir na educação e, também, obtêm um retorno mais elevado para esses investimentos.
Carnoy (2004) levanta um fator que acontece na América Latina devido a crescente concorrência no mercado de trabalho e conseqüente concorrência pelo acesso aos recursos educacionais existentes. Famílias com nível sócio-econômico elevado, grau de escolaridade e renda mais elevados tendem a aumentar seu investimento nos ensinos fundamental e médio de seus filhos com o objetivo de garantir seu ingresso na universidade. Vale ressaltar que no caso dessa população, a universidade é pública. É uma luta desigual com as classes de nível sócio-econômico mais baixo, que não dispõe de capital, seja de qualquer tipo, suficiente para obter educação de nível superior pública, gratuita e de alta qualidade, restando-lhe somente o ensino superior privado e absurdamente de péssima qualidade. Mesmo investindo num ensino que posteriormente se revela praticamente inútil na ambição de ascensão sócio-econômica, o proletariado parece acreditar no mito liberal alimentado pela elite de que agregar conhecimento através da educação formal certamente é um diferencial no mercado de trabalho. Pochmann (2007) aponta o crescimento do desemprego entre a população com ensino superior como conseqüência do baixo ritmo de crescimento da economia e do não aproveitamento da mão-de-obra qualificada pela indústria e pelo setor de serviços, visto que o Brasil possui, em geral, produtos de baixo valor agregado. Percebemos, assim, no discurso veiculado pela mídia e reiterado pelo mercado de trabalho, o encobrimento ideológico da necessidade de outros capitais, citados acima, na aquisição de uma posição diferenciada na estratificação social.
13) Levando em consideração a citação de Carnoy (pp. 8 e 9), como você entende o sistema de cotas adotado no vestibular?
Opinião pessoal.
14) Quando e por que surgiu a "livre" escolha da profissão?
A escolha livre da profissão é recente, remetendo ao século XIX e à instalação do modo de produção capitalista. A problemática vocacional surge apenas com a estruturação social implementada no capitalismo (JEANGROS, 1959; BOHOSLAVSKY, 1983; BOCK, 2002). As profissões deixaram de ser herdadas e repassadas por gerações nas famílias. Essas passaram a almejar melhores condições de vida para seus filhos, que tendo uma melhor educação e sendo mais instruídos, poderiam ser mais prósperos que seus pais e ter melhores salários.
15) Qual é o impasse na inserção no mercado de trabalho apresntado no 1o. parágrafo da p. 10? Qual sua opinião sobre o assunto?
O nível de escolaridade influi sobre as chances de trabalho remunerado e na renda da população jovem (WAISELFISZ, 2004), porém não conduz o jovem diretamente ao emprego (CASIMIRO, 2004). A questão não é somente falta de qualificação, como coloca mascarada ideologicamente o mercado. Num momento de crescimento da economia, esse fator pode sim existir, mas de forma pontual. Pochmann (2007) corretamente afirma que o desemprego é estrutural e se reverte na escassez de vagas. As organizações alegam falta de qualificação dos jovens mesmo os postos de trabalho mantendo suas características e atividades, bem como melhora na escolaridade dessa população. Nesse cenário, ocorre uma disputa entre adultos melhores qualificados e os jovens para postos antes ocupados tradicionalmente por esses (CASIMIRO, 2004). Os contratantes potenciais alegam que se o trabalhador é jovem, lhe falta experiência; caso tenha experiência e seja mais velho, é muitas vezes considerado desatualizado e/ou não teria a mesma motivação e energia para produzir como alguém mais novo. Nesse ponto, encontramos um duplo-vínculo, no qual prolonga-se patologicamente a situação do mercado de trabalho brasileiro e degradação subjetiva do trabalhador frente à impossibilidade de encontrar uma ocupação e às precariedade e instabilidade dos postos de trabalho que lhes estão disponíveis.
16) Como a educação contribui para aumentar as possibilidades das pessoas na vida econômica e social (empregabilidade, trabalho, renda, cultura geral, etc.)? (Leia p.12-15).
Ela contribui para a empregabilidade, aumenta o poder de produtividade do trabalhador e potencializa suas oportunidades de renda, melhora sua mobilidade no mercado de trabalho e amplia suas possibilidades de escolha dentro de sua carreira. (...)
Ao longo da história, a educação adaptou-se aos modos de formação particulares de organização sócio-cultural e do processo produtivo, e seu papel mudou de acordo com as necessidades de qualificação do trabalhador. No início do processo de acumulação capitalista, o trabalho manual e servil era valorizado como o necessário ao crescimento econômico. A divisão do trabalho impunha aos trabalhadores um trabalho repetitivo e simples – exploração da força de trabalho que traria lucro aos capitalistas. Somente com as inovações tecnológicas da terceira revolução industrial, sobretudo no último terço do século passado, o conhecimento passou a ser valorizado como um recurso de capital humano (capital intelectual) que poderia incrementar os ganhos de produtividade (CRAWFORD, 1994; INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2002; STEWART, 1998). Entretanto, essa não é uma realidade brasileira, senão um ideal já bastante tardio (POCHMANN, 2007; ZEBRAL FILHO, 1997). (...)
Como o grau de instrução é associado à rentabilidade no mercado de trabalho, a competição acaba por transportar-se desse campo para se revelar também na educação. Carnoy (2004) cita o aumento da competição subnacional para acesso aos recursos educacionais existentes – vide a concorrência nos vestibulares Brasil afora. Essa competição pode ser apontada no crescente número de jovens disputando vagas em universidades públicas de qualidade (INEP, 2003a, 2003b; CARNOY, 2004). Vemos aqui uma disputa – questão também levantada por Waiselfisz (2004) – pelos produtos econômicos (remuneração e a possibilidade de aumento do poder de compra), sociais (status e reconhecimento) e culturais (arte, educação, entre outros) pertencentes a um modus vivendi estimulado e socialmente reconhecido pela cultura vigente.
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