por Erlon José Paschoal
Na década de 90, a diretora de teatro francesa, fundadora do Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine, montou um espetáculo sobre Sarajevo, cidade símbolo da barbárie e da carnificina pós-moderna, e fez na ocasião uma greve de fome em solidariedade às milhares de vítimas bósnias. A proposta de sua companhia é redimensionar o papel e o lugar do teatro e sua capacidade de representar a época atual. Por isso, suas montagens abordam quase sempre as grandes questões políticas e humanas, dando relevo à pesquisa de novas formas dramáticas e à confluência das artes do Oriente e do Ocidente.
Hoje vemos estarrecidos nos noticiários os bombardeios perpetrados pelos israelenses em sua sanha assassina pelo extermínio do povo palestino, escolhendo a data mais importante do calendário cristão, o nascimento de Jesus justamente naquela região. Seria possível imaginar um espetáculo teatral capaz de abordar esse outro espaço-símbolo da barbárie pós-moderna em nossos dias, vista por quase todos os grandes líderes mundiais com complacência e até mesmo descaso?
Por vezes me pergunto: quem é mais assassino? Aquele que amarra explosivos ao corpo e vai para os ares junto com eles, ou aquele que de um avião, de um tanque ou de um navio, lança uma bomba teleguiada a quilômetros de distância?
Assistimos impotentes a um ataque insano perpetrado pelos israelenses, com o aval e apoio tecnológico dos norte-americanos, aos territórios palestinos na Faixa de Gaza, em pleno Natal. Usando como pretexto o lançamento de alguns foguetes pelo Hamas, assassinaram centenas de cidadãos, puseram abaixo inúmeras edificações e lançaram bombas em dezenas de alvos civis. Os feridos e mutilados nos bombardeios não passam de pequenos efeitos colaterais, comuns neste tipo de operação, segundo declarações oficiais dos verdugos. E não pretendem parar por aí.
Por uma dessas tragédias irônicas da história humana o Holocausto acompanha de perto o povo judeu: numa época foi vítima, agora transforma-se num carrasco implacável. Freud certa vez escreveu que o torturado quando assume o papel inverso torna-se ainda mais frio e cruel.
O descaso pela vida do muçulmano propagado e inculcado pela mídia norte-americana nos corações e mentes ocidentais, significa um retrocesso no processo civilizatório e um golpe fatal na aproximação necessária entre culturas distintas num mundo que tende cada vez mais a se globalizar e a interagir.
Susan Sontag, que encenou "Esperando Godot" na Sarajevo sitiada, afirmou na ocasião: "Muitas outras guerras como essa vão ocorrer. Guerras que parecem guerras civis, mas não são. Essa guerra foi mais uma agressão contra a humanidade".
Não se trata portanto de sermos a favor ou contra o judeu, a favor ou contra o muçulmano, a favor ou contra o norte-americano.... Trata-se de sermos a favor da vida, do respeito mútuo e da dignidade humana.
O momento atual exige cada vez mais de todos os indivíduos sensatos e íntegros posições mais firmes contra a ganância desmedida e o extermínio de povos e culturas... antes que seja tarde demais...
Fonte: gazetaonline
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